por Paula Di Leone
"Os seres humanos são culturais ou históricos”, afirma
Marilena Chauí em seu livro Convite à Filosofia. É habito atribuir como
naturais situações que são, na verdade, fruto de uma construção
histórico-cultural. Por isso, é possível dizer que os hábitos alimentares da
espécie humana, ainda que possuam forte carga natural e biológica, são
definidos culturalmente.
O apreço das gaúchas e dos gaúchos pelo consumo de carne se explica na sua história, já que cultura se constrói ao longo de séculos. Não é à toa que o Rio Grande do Sul costuma estar no topo de pesquisas relacionadas ao consumo de carne, afinal, isso se entranhou na cultura local. Uma pesquisa realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) entre 2008 e 2009 apontou, entre outros dados, que cada pessoa no Rio Grande do Sul consome anualmente 39 kg de carne bovina, 20,5 kg de aves e ovos e 1,5 kg de pescados. No estado de São Paulo esse índice é de 24,5 kg, 13 kg e 1,8 kg, respectivamente, e na Bahia corresponde a 25 kg, 16 kg e 3 kg.
De acordo com o historiador Marcelo Paiva, o consumo de carne pelos seres humanos remonta a períodos pré-históricos, quando a espécie, onívora, alternava a caça e o consumo de vegetais. No entanto, ele afirma que somado a isso há particularidades que cada sociedade desenvolveu a partir de seus respectivos contextos geográficos, os quais contribuíram na construção dos hábitos culturais alimentícios em função do que a natureza lhes oferecia.
No caso do Rio Grande do Sul, o gado bovino foi introduzido na América pelos espanhóis, já que não existia na região. Posteriormente, com a destruição dos Sete Povos das Missões durante as Guerras Guaraníticas, esse gado acabou se tornando selvagem e se espalhou pelo território, levando os povos locais a se aproveitarem integralmente dessa oferta. Marcelo atenta para a identidade cultural platina que se estabeleceu no estado por meio da História, produzindo fortes semelhanças com Uruguai e Argentina e, entre elas, a questão do alimento. “Assim se cria uma ‘culinária gaúcha’ toda associada à carne. O churrasco, o carreteiro, a rabada, tudo sempre tendo a vaca como elemento principal.” Mas é a partir dos anos 1930 que se inicia a grande construção artificial da imagem de gaúcho. Por meio do surgimento do sentimento tradicionalista e do resgate da Revolução Farroupilha, os trajes e hábitos de consumo se tornam fortes símbolos dessa cultura, entre eles o churrasco, o chimarrão e assim por diante. “O hábito já existia, e ao mesmo tempo ele se reforça por uma questão de construção de identidade”, enfatiza Marcelo.
O apreço das gaúchas e dos gaúchos pelo consumo de carne se explica na sua história, já que cultura se constrói ao longo de séculos. Não é à toa que o Rio Grande do Sul costuma estar no topo de pesquisas relacionadas ao consumo de carne, afinal, isso se entranhou na cultura local. Uma pesquisa realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) entre 2008 e 2009 apontou, entre outros dados, que cada pessoa no Rio Grande do Sul consome anualmente 39 kg de carne bovina, 20,5 kg de aves e ovos e 1,5 kg de pescados. No estado de São Paulo esse índice é de 24,5 kg, 13 kg e 1,8 kg, respectivamente, e na Bahia corresponde a 25 kg, 16 kg e 3 kg.
De acordo com o historiador Marcelo Paiva, o consumo de carne pelos seres humanos remonta a períodos pré-históricos, quando a espécie, onívora, alternava a caça e o consumo de vegetais. No entanto, ele afirma que somado a isso há particularidades que cada sociedade desenvolveu a partir de seus respectivos contextos geográficos, os quais contribuíram na construção dos hábitos culturais alimentícios em função do que a natureza lhes oferecia.
No caso do Rio Grande do Sul, o gado bovino foi introduzido na América pelos espanhóis, já que não existia na região. Posteriormente, com a destruição dos Sete Povos das Missões durante as Guerras Guaraníticas, esse gado acabou se tornando selvagem e se espalhou pelo território, levando os povos locais a se aproveitarem integralmente dessa oferta. Marcelo atenta para a identidade cultural platina que se estabeleceu no estado por meio da História, produzindo fortes semelhanças com Uruguai e Argentina e, entre elas, a questão do alimento. “Assim se cria uma ‘culinária gaúcha’ toda associada à carne. O churrasco, o carreteiro, a rabada, tudo sempre tendo a vaca como elemento principal.” Mas é a partir dos anos 1930 que se inicia a grande construção artificial da imagem de gaúcho. Por meio do surgimento do sentimento tradicionalista e do resgate da Revolução Farroupilha, os trajes e hábitos de consumo se tornam fortes símbolos dessa cultura, entre eles o churrasco, o chimarrão e assim por diante. “O hábito já existia, e ao mesmo tempo ele se reforça por uma questão de construção de identidade”, enfatiza Marcelo.
O vegetarianismo no estado
Por
causa da trajetória alimentícia gaúcha, a carne enraizou-se como protagonista
das refeições. Mas, hoje, novas propostas de alimentação têm maior espaço de
discussão. O vegetarianismo passou a ser fortemente defendido, tornando-se frequente pauta de debate
na comunidade. O IBOPE (Instituto Brasileiro de Opinião e Estatística) registrou em pesquisa
realizada em 2012 que 8% da população brasileira afirmava ser adepta ao
vegetarianismo. Os dados se referem a Fortaleza (CE), Curitiba (PR), Recife
(PE), Rio de Janeiro (RJ), Belo Horizonte (MG), Campinas (SP), São Paulo (SP),
Salvador (BA) e Porto Alegre (RS). A sólida cultura do churrasco ainda resiste:
na capital gaúcha foi registrado o menor índice de adeptos, 6%.
Para a estudante de Administração da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) Julia Roscoe, o momento em que decidiu ser vegetariana foi conturbado, pois seu pai reagiu muito negativamente. “Parecia que eu estava ofendendo a vida dele, porque ele não aceitava, ficava realmente ofendido. E eu não sei se é porque de alguma maneira isso toca em uma questão moral, em um ponto fraco das pessoas, que é o fato de elas não fazerem isso, e acaba deixando-as agressivas. Porque é uma decisão tua, que não influencia na vida de ninguém, e eu não entendia porque gerava tanta raiva”, acrescenta Julia. Já a psiquiatra e psicoterapeuta Lorilei Caramori conta que sentiu dificuldades em manter relações de amizade depois que aderiu a essa dieta. Ela comenta que muitas pessoas pararam de convidar a ela e ao seu marido para almoços, por não saberem que tipo de prato oferecer. “Logo que eu parei de comer carne, quando ia almoçar na casa de alguém, eu perguntava o que teria de almoço. Respondiam ‘frango assado’ ou ‘bife à milanesa’ e não falavam no restante da comida. Foi quando eu notei como as pessoas dão importância para a carne como prato principal” conta Lorilei.
O paradigma alimentar entranhado na cultura dificulta a vida de quem opta pelo vegetarianismo, simplesmente pelo fato de todas as pessoas estarem acostumadas a colocar a carne em primeiro plano. No entanto, Paulo Silva, bancário de 50 anos, exemplifica a viabilidade da convivência pacífica entre quem come e quem não come carne. Frequentador assíduo do Acampamento Farroupilha, é vegetariano há cerca de oito anos. “Foi muito difícil no começo, durante uns dois meses eu não podia nem olhar para carne de churrasco, se eu passasse por perto tinha que desviar porque a vontade era grande. Mas hoje, felizmente, eu não sinto mais isso.” Ele conta que seu posicionamento é convicto e que não se sente agredido por essa cultura, mas acredita que cada pessoa tem o seu momento de tomada de consciência.
Para a estudante de Administração da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) Julia Roscoe, o momento em que decidiu ser vegetariana foi conturbado, pois seu pai reagiu muito negativamente. “Parecia que eu estava ofendendo a vida dele, porque ele não aceitava, ficava realmente ofendido. E eu não sei se é porque de alguma maneira isso toca em uma questão moral, em um ponto fraco das pessoas, que é o fato de elas não fazerem isso, e acaba deixando-as agressivas. Porque é uma decisão tua, que não influencia na vida de ninguém, e eu não entendia porque gerava tanta raiva”, acrescenta Julia. Já a psiquiatra e psicoterapeuta Lorilei Caramori conta que sentiu dificuldades em manter relações de amizade depois que aderiu a essa dieta. Ela comenta que muitas pessoas pararam de convidar a ela e ao seu marido para almoços, por não saberem que tipo de prato oferecer. “Logo que eu parei de comer carne, quando ia almoçar na casa de alguém, eu perguntava o que teria de almoço. Respondiam ‘frango assado’ ou ‘bife à milanesa’ e não falavam no restante da comida. Foi quando eu notei como as pessoas dão importância para a carne como prato principal” conta Lorilei.
O paradigma alimentar entranhado na cultura dificulta a vida de quem opta pelo vegetarianismo, simplesmente pelo fato de todas as pessoas estarem acostumadas a colocar a carne em primeiro plano. No entanto, Paulo Silva, bancário de 50 anos, exemplifica a viabilidade da convivência pacífica entre quem come e quem não come carne. Frequentador assíduo do Acampamento Farroupilha, é vegetariano há cerca de oito anos. “Foi muito difícil no começo, durante uns dois meses eu não podia nem olhar para carne de churrasco, se eu passasse por perto tinha que desviar porque a vontade era grande. Mas hoje, felizmente, eu não sinto mais isso.” Ele conta que seu posicionamento é convicto e que não se sente agredido por essa cultura, mas acredita que cada pessoa tem o seu momento de tomada de consciência.
A carne como alimento dispensável
Questionado se acredita que temos fome do que a nossa cultura
construiu, o historiador Marcelo Paiva defende que sim, porque a identidade
cultural que se criou é
“rígida, difícil de desconstruir e ao mesmo tempo muito conservadora, porque
ela não abre a possibilidade de qualquer transformação”. No entanto, os
contextos atuais já não são os mesmos e a reflexão sobre essa realidade
tornou-se necessária. Um artigo publicado pelo geógrafo Marcos Hiath em 2012
esclarece, de acordo com dados cruzados da Organização das Nações Unidas para
Alimentação e Agricultura (FAO/ONU) e do Worldwatch Institute (WWI), que o
impacto ambiental causado pela indústria pecuária é muito maior em relação ao
da produção exclusivamente agrícola. Ele indica que, para a produção de 1 kg de
carne bovina, são usados 7 kg de grãos para ração animal, além de 15 mil litros
de água. Enquanto isso, para produzir 1 kg de cereal são necessários apenas 1.300
litros de água. Além disso, a FAO/ONU apontou em 2013 que 14,5% dos gases de
efeito estufa são emitidos pelo setor pecuário, e em 2006 o mesmo órgão
registrou que 70% das terras desmatadas na Amazônia são utilizadas como pasto,
enquanto grande parte do restante é usada para plantação de ração.
Além
do sentimento de cuidado com o planeta, surgiu a compaixão pelos animais. “A
gente vê o trato que as pessoas têm com os cães, com os gatos, são intocáveis.
Levam ao veterinário, têm todo um cuidado, é quase um ser humano. E o que tem
de diferente desses bichos para um boi?”, questiona Paulo Silva. A questão
cultural abrange o desejo das pessoas vegetarianas de não participar da
indústria do abate e não contribuir para a insustentabilidade que ela provoca,
para eles motivos suficientes para eliminar de vez a carne do cardápio.
O Instituto Nacional de Câncer (INCA) avalia que alguns tipos de alimentos, se
consumidos em excesso e por muito tempo, parecem fornecer o tipo de ambiente
que uma célula cancerosa necessita para se desenvolver. Entre esses alimentos,
estão as carnes vermelhas, o bacon e os embutidos. De acordo com a
nutricionista Fernanda de Matos Feijó, especialista em nutrição clínica pela Associação Brasileira
de Nutrição (ASBRAN), “o
excesso de carne pode aumentar o risco e a prevalência de doença
cardiovascular, hipertensão arterial e diversos tipos de câncer”. Ela também
afirma que, quando bem planejadas e orientadas, as dietas vegetarianas promovem
crescimento e desenvolvimento adequados para todas as fases da vida.
A nutricionista alerta que a proteína não é um fator de preocupação nas dietas vegetarianas, de maneira que a solução é a combinação de alimentos de grupos diferentes fornecendo todos os aminoácidos em quantidade satisfatória para o organismo. “Na dieta vegetariana estrita, a ingestão de lisina é garantida pelo consumo diário de quatro colheres de sopa de feijão cozido em grão ou quantidade equivalente dos demais alimentos do grupo dos feijões”, diz Fernanda. Isso mostra que a carne não é indispensável, de forma que é possível manter uma alimentação diferenciada e ainda assim equilibrada e saudável. Segundo Rodrigo Bragaglia, fotógrafo e fundador do primeiro restaurante de fast food vegano do país, o B Burger, as pessoas fazem o que lhes é ensinado desde criança, repetem hábitos sem questionar se o que está sendo feito é o ideal. Um costume muito rígido acaba dificultando o debate: por que se come tanta carne? Por que há tanta dificuldade em aceitar uma nova perspectiva e, quem sabe, passar a enxergar através dela?
Rodrigo defende que o campo de informações sobre o tema é vasto, e que “é necessário quebrar preconceitos sem bater de frente”. Marcelo Paiva concorda que a situação provocada por essa cultura sólida dificulta o diálogo com uma visão diferente, sendo um desafio criar um espaço para reinterpretações. “Paladar é individual, mas culturalmente tu tens uma imposição, um autoritarismo que não abre espaço pra nenhum tipo de adaptação”, finaliza.
A nutricionista alerta que a proteína não é um fator de preocupação nas dietas vegetarianas, de maneira que a solução é a combinação de alimentos de grupos diferentes fornecendo todos os aminoácidos em quantidade satisfatória para o organismo. “Na dieta vegetariana estrita, a ingestão de lisina é garantida pelo consumo diário de quatro colheres de sopa de feijão cozido em grão ou quantidade equivalente dos demais alimentos do grupo dos feijões”, diz Fernanda. Isso mostra que a carne não é indispensável, de forma que é possível manter uma alimentação diferenciada e ainda assim equilibrada e saudável. Segundo Rodrigo Bragaglia, fotógrafo e fundador do primeiro restaurante de fast food vegano do país, o B Burger, as pessoas fazem o que lhes é ensinado desde criança, repetem hábitos sem questionar se o que está sendo feito é o ideal. Um costume muito rígido acaba dificultando o debate: por que se come tanta carne? Por que há tanta dificuldade em aceitar uma nova perspectiva e, quem sabe, passar a enxergar através dela?
Rodrigo defende que o campo de informações sobre o tema é vasto, e que “é necessário quebrar preconceitos sem bater de frente”. Marcelo Paiva concorda que a situação provocada por essa cultura sólida dificulta o diálogo com uma visão diferente, sendo um desafio criar um espaço para reinterpretações. “Paladar é individual, mas culturalmente tu tens uma imposição, um autoritarismo que não abre espaço pra nenhum tipo de adaptação”, finaliza.
Ilustrações de Mariana Oliveira
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